Irregularidades teriam ocorrido na execução do termo de cessão de uso firmado entre a entidade, que é privada e sem fins lucrativos, e Fundação Theatro São Pedro, que é pública

 

As relações entre a Fundação Theatro São Pedro e a Associação Amigos do Theatro São Pedro (AATSP) viraram caso de polícia. A Operação Bastidores, deflagrada na manhã desta quarta-feira (11), tem como objetivo apreender documentos de interesse de uma investigação — coordenada pela 1ª Delegacia de Combate à Corrupção (1ª Decor) — sobre possível desvio de dinheiro.

O inquérito apura se a associação, que é uma entidade privada e sem fins lucrativos, se apropriou de dinheiro ou usou indevidamente valores que deveriam ter sido revertidos ao longo de anos em prol da fundação, que é pública. A polícia não dá detalhes do trabalho, mas GZH apurou que o principal investigado é o presidente da associação, José Roberto Diniz de Moraes.

Estão sob suspeita outras pessoas ligadas à entidade privada e que tinham altos salários — os valores chamavam a atenção pela discrepância em relação à remuneração na fundação, por exemplo. Buscas estão sendo feitas nas residências dos investigados e também no Theatro São Pedro, no centro de Porto Alegre, onde funciona a associação.

O negócio que motivou a investigação surgiu há quase duas décadas, quando as entidades firmaram um termo de cessão de uso permitindo que a AATSP explorasse e administrasse as dependências do teatro e também eventos de caráter fechado. A parceria acabou rompida neste ano, de forma unilateral.

A fundação não renovou o termo sob a alegação de que a associação não aceitou novas cláusulas que seriam, inclusive, exigências de órgãos de controle. A associação, por sua vez, se disse prejudicada com o teor do que estava sendo proposto.

Nos bastidores do desacerto, no entanto, já pesavam apontamentos de uma auditoria da Contadoria e Auditoria-Geral do Estado (Cage), que mostram uma série de irregularidades, falhas de fiscalização e desconhecimento, por parte da fundação, de valores reais obtidos pela associação na exploração dos espaços do teatro, como o estacionamento e um restaurante.

A auditoria, que teve como base o exercício de 2019, apontou falhas na gestão dos recursos financeiros, confusão patrimonial entre público e privado, subavaliação de receitas e superavaliação de despesas por parte da associação. Também ganhou destaque a falta de cláusulas que dessem à fundação condições de fiscalizar a movimentação de valores feita pela AATSP.

Sem conhecer as receitas na íntegra, a fundação também não tinha como avaliar se o que estava recebendo da associação era realmente o que lhe cabia ou se faltavam valores. Foi a partir dessas constatações que auditores alertaram a Polícia Civil sobre possíveis desvios de recursos.

A auditoria registra, por exemplo, a falta de extratos bancários que comprovem o que está declarado em prestações de contas. Aliás, as prestações de contas feitas pela associação estão sem homologação pela fundação desde 2016. Também foi verificado que além do estacionamento do Multipalco do Theatro São Pedro, outro espaço público teria apresentado subavaliação de arrecadação, o de um restaurante.

O inquérito feito pela 1ª Decor, da Divisão Estadual de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro, começou em 2019. Testemunhas foram ouvidas e documentos foram analisados. Agora, sob coordenação do delegado Max Otto Ritter, a investigação busca mais elementos para tentar verificar se houve desvio e mau uso de recursos e quem pode ter se beneficiado com o suposto esquema.

O que diz a fundação
O presidente da Fundação Theatro São Pedro, Antônio Carlos Hohlfeldt, disse a GZH que está satisfeito com a ação que visa a esclarecer possíveis irregularidades:

— Desde o trabalho da Cage, imaginamos que podia ter essa ação. Nós prestamos depoimentos e ficamos no aguardo. Todas as medidas que a Cage nos solicitou foram adotadas. Não renovamos contratos com a associação e cobramos os balancetes, que só recebemos há dois meses. Glosamos, não concordei com o que foi apresentado e não assinei nada. A associação contestou parte da nossa manifestação. Estamos tratando disso para depois encaminhar à Procuradoria-Geral do Estado.

Hohlfeldt destacou que desde que assumiu, em março de 2018, tem tido a preocupação em resolver essas pendências.

— Há muita confusão patrimonial. Para ter uma ideia, não se sabe de quem é a impressora, o computador. Tudo a associação colocava em nome dela. Há diferenças de valores nas declarações, que não necessariamente são desvios. Muita coisa decorre dessa confusão. Por isso, nossa preocupação. Meu principal assessor é cedido da Cage — disse.

GZH tenta contato com a defesa de José Roberto Diniz de Moraes, mas não obteve retorno até a publicação deste texto.

Fonte: GZH, 11/11/2020