Os últimos acontecimentos que escancararam escândalos de corrupção e o uso da criatividade na contabilidade para maquiar os dados geraram pelo menos uma reação positiva no ambiente de negócios brasileiro. O investimento em ferramentas de governança corporativa vem aumentando, e os comitês de auditoria são parte importante no processo de adaptação a uma nova realidade. A pesquisa Perfil dos Conselhos de Administração, realizada pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), em 2016, com 339 empresas de capital aberto (listadas na bolsa), evidenciou que 50,7% possuem comitês ligados ao conselho de administração.
Das 172 empresas com comitês instalados, 62,8% possuem comitê de auditoria, seguida dos comitês de finanças (35,5%), remuneração (34,9%), pessoas e recursos humanos (31,4%), de risco (26,2%), e os demais, abaixo de 20%. Outro estudo, A Governança Corporativa e o Mercado de Capitais, realizado anualmente pela KPMG, aponta o comitê de auditoria como o mais frequente entre as organizações brasileiras, existente em 109 empresas das 223 analisadas (no ano passado, eram 106). Ao todo, 47% das empresas analisadas afirmaram, também, adotar um código de boas práticas de governança. Para o sócio da KPMG no Brasil e líder do ACI Institute, Sidney Ito, é notória a importância do comitê de auditoria, visto que o processo de supervisão garante a integridade dos controles internos e a efetividade do gerenciamento de riscos e do compliance das companhias.
“Não à toa, está presente em parcela significativa das companhias; e sua obrigatoriedade, no formato de comitê de auditoria estatutário, está sendo discutida pela BM&FBovespa junto ao mercado para as companhias listadas no Novo Mercado e Nível 2. O mercado brasileiro está cada vez mais exigente, e é preciso manter o foco na transparência para obter êxito”, comenta Ito. No atual cenário brasileiro, as boas práticas de governança representam uma vantagem competitiva.
“O crescente foco na qualidade, além das informações financeiras, tem abrangido a efetividade dos controles internos, do gerenciamento de riscos, do compliance e a interação da administração com os auditores independentes. Estes fatores tornam as companhias mais estruturadas e sustentáveis, o que evidencia para o mercado a responsabilidade e a credibilidade da empresa”, afirma Ito. Para o sócio-diretor da Weiler & Associados e conselheiro do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, Daniel Weiler, o trabalho do conselho de administração e dos comitês é apresentar as possibilidades de melhorias no ambiente de controles internos e prevenir fraudes, mas obviamente nem todos têm a mesma capacidade técnica.
“O comitê de TI (Tecnologia da Informação), por exemplo, terá papel diferente do grupo dedicado aos recursos humanos. O comitê de auditoria é quem tem a capacidade técnica de avaliar o trabalho do auditor independente e dos setores fiscais e financeiros da empresa”, analisa Weiler. Os comitês são órgãos de assessoramento ao conselho de administração, cujo propósito é permitir que determinadas matérias sejam discutidas e examinadas em maior profundidade em outro fórum, dada a indisponibilidade de tempo nas reuniões do conselho. Em um capítulo dedicado ao comitê de auditoria, o Código do IBGC destaca que se trata de um “órgão relevante de assessoramento ao conselho de administração, para auxiliá-lo no controle sobre a qualidade de demonstrações financeiras e controles internos, visando a confiabilidade e integridade das informações para proteger a organização e todas as partes interessadas”.
O documento também afirma que o grupo “deve, preferivelmente, ser formado apenas (ou ao menos em sua maioria) por conselheiros independentes e coordenado por um conselheiro independente. Dada a grande possibilidade de conflitos de interesses, não convém possuir conselheiros internos ou executivos em sua composição, devendo estes últimos ser convidados para as reuniões quando necessário”. O comitê de auditoria deve ser o órgão responsável por escolher e contratar o auditor independente, bem como monitorar a efetividade de seu trabalho e a sua independência. Por isso, outro conselho de especialistas, é que ao menos um dos membros tenha experiência comprovada na área contábil, financeira ou de auditoria. O IBGC, em seu Guia de Orientação para Melhores Práticas de Comitês de Auditoria, afirma que este deve ser composto por membros do conselho de administração.
“Comitês de auditora independentes constituem um componente crítico para assegurar ao conselho de administração o controle sobre a qualidade dos demonstrativos financeiros e controles internos que asseguram a sua confiabilidade, bem como para a identificação e gestão de riscos da organização”, assinala o documento. A Lei Societária (Lei nº 6.404, de 1976) e o Código Civil brasileiro preveem os deveres e responsabilidades atribuídos ao conselho de administração e, por extensão, aos seus comitês. No Brasil, foram criadas regulamentações específicas que obrigam a instituição de comitês de auditoria para instituições financeiras e companhias de seguros. Contudo, destaca Weiler, no Brasil, os comitês de auditoria não são obrigatórios sequer para as empresas abertas. “Nos Estados Unidos, a obrigatoriedade existe para as empresas abertas, inclusive aquelas sediadas no exterior que estejam listadas no mercado norte-americano”, diz Weiler, salientando que as empresas brasileiras listadas nos Estados Unidos são obrigadas a manter comitês de auditoria.
PRINCIPAIS ATRIBUIÇÕES DO COMITÊ DE AUDITORIA
• Acompanhar e avaliar o ambiente de controles internos – auditorias independente e interna
• Identificar, avaliar e analisar riscos – definir níveis de aceitação de risco pela companhia, atentar para a adequação dos controles-chave dos riscos corporativos
• Estruturar programas de gerenciamento de riscos – sistemas de alerta e mecanismos de redução
• Supervisionar a elaboração das demonstrações e relatórios financeiros
Fonte: Daniel Weiler
Para Ibracon, atuação ainda é pequena no País
O presidente do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon), Idésio Coelho, sustenta que os comitês de auditoria ainda não têm a expressividade desejada no mercado brasileiro. “São poucas as empresas de capital aberto que contam com comitês. Completamente nos moldes da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), então, o número é menor ainda”, sustenta Coelho.
A falta de uma regulação específica faz, ainda, com que os comitês existentes, muitas vezes, estejam vinculados ao acionista controlador da empresa, fazendo com que a ferramenta perca uma das suas principais atribuições – de agir com independência em relação aos interesses da organização. A dificuldade em alavancar os comitês de auditoria no cenário nacional “está muito ligada ao perfil das empresas de capital aberto no Brasil”, sustenta Coelho. De acordo com o presidente do instituto, no Brasil, o sistema estimula a aquisição de títulos públicos, mais seguros, já que o mercado de capitais não tem rentabilidade garantida.
“É uma concorrência desleal. Em compensação, se estimulássemos o ingresso de mais investidores no mercado de capitais, teríamos um efeito muito positivo no ambiente de negócios brasileiro, com pessoas atentas às companhias”, defende Coelho. Em um cenário mais plural, a figura do acionista controlador perde força, as startups se desenvolvem, e as companhias têm capital mais difuso. “O ambiente brasileiro está progredindo. Estamos passando por muitas transformações, mas, enquanto o juro for alto e o mercado de capitais, resistente, quem transaciona é um número muito pequeno de pessoas, e o cenário muda lentamente”, projeta.
Diferentemente desses países, onde as práticas de governança estão mais consolidadas, as empresas brasileiras mantêm, assim, a figura do acionista controlador – cujas decisões se sobrepõem às dos demais por contar com um número extremamente maior de ações. Isto, somado à maior dificuldade em encontrar mão de obra qualificada para compor os comitês e a uma cultura organizacional que não valoriza tanto os benefícios do comitê, torna o ambiente hostil ao desenvolvimento de um comitê de auditoria.
Grupos apontam dificuldades no gerenciamento de riscos
Mesmo antes dos ataques de hackers realizados nos últimos dois meses em países do mundo inteiro, os comitês de auditoria relatavam, em pesquisa divulgada em abril, a preocupação com a invasão aos sistemas, onde estão armazenadas questões sigilosas e cujo sequestro gera insegurança.
A efetividade da estrutura e do processo de gerenciamento de riscos, assim como o compliance das exigências legais e regulatórias, os riscos ligados à segurança cibernética e o ambiente de controles internos estão no topo da lista de assuntos que os participantes da pesquisa global Desafios e Prioridades dos Comitês de Auditoria consideram como os maiores desafios. O gerenciamento de riscos ainda é a maior prioridade dos comitês de auditoria considerando as expectativas de baixo crescimento e incerteza econômica, os avanços tecnológicos e as mudanças revolucionárias nos modelos de negócios, as ameaças cibernéticas, o maior escrutínio dos órgãos reguladores e a exigência de transparência por parte dos investidores.
No entanto 48% dos brasileiros que responderam à pesquisa (e 42% globalmente) consideram que os processos de gerenciamento de riscos “exigem melhorias substanciais”; e 37% (15% globalmente) informaram que o sistema de gerenciamento de riscos “está em fase de planejamento e/ou desenvolvimento”. Quando questionados sobre o tempo e a expertise empregados pelo comitê de auditoria para monitorar o gerenciamento dos principais riscos da empresa, 44% dos brasileiros disseram que a atividade tem se tornado cada vez mais difícil.