PIRATINI ALEGA NÃO TER RECURSOS para evitar quebra de estatais ou permitir investimentos. Medida é exigência para socorro da União

Em mais uma tentativa de reerguer as contas públicas, o governo do Estado lançou uma ofensiva para privatizar estatais, incluindo companhias superavitárias. Detalhado na manhã de ontem, o plano abrange as deficitárias CEEE Distribuição (D) e Companhia Riograndense de Mineração (CRM), mas também as autossustentáveis CEEE Geração e Transmissão (GT) e Sulgás. No horizonte da equipe de José Ivo Sartori, está o programa de ajuda do governo federal, que pede a venda de ativos como garantia de socorro

O argumento do Piratini está na incapacidade de investimento do Estado. Imerso em previsão de déficit de R$ 3 bilhões para este ano e sem recursos para aprimorar os serviços, as estatais virariam sinônimo de prejuízo em breve. Somente para manter a operação da CEEE-D, seria necessário R$ 1,2 bilhão para cobrir os rombos de 2016 e 2017 que ameaçam a manutenção da concessão. Na Sulgás, o governo calcula que precisaria investir pelo menos R$ 1,1 bilhão na construção de terminal e de gasoduto ligando Rio Grande a Porto Alegre e outros R$ 150 milhões por ano na ampliação da rede para ter competitividade.

– Para que possamos atrair investimentos para o Rio Grande do Sul no momento em que a economia começa a crescer, precisamos de oferta de energia elétrica e, consequentemente, de investimento nessas empresas. O Estado não tem condições de fazer esses investimentos, portanto, precisamos de alguém que possa ser parceiro – defendeu o secretário de Planejamento, Governança e Gestão, Carlos Búrigo.

Após rápido pronunciamento de Sartori, secretários esmiuçaram, durante quase duas horas, a situação das companhias incluídas na proposta de emenda à Constituição (PEC) enviada à Assembleia Legislativa. O projeto termina com a exigência de plebiscito para a privatização das quatro estatais. São necessários 33 votos para a aprovação. Para levar a medida adiante, a mais recente estratégia é detalhar a realidade de cada empresa para pressionar os deputados. Diante dos números negativos, caberia aos parlamentares decidir se o Estado deve arcar com rombos ou se livrar deles.

Entre os dados apresentados, destaca-se a situação da Sulgás. Isso porque a companhia está com as contas em dia e acumulou lucro de R$ 130,8 milhões em 2016. A dificuldade, segundo o secretário de Minas e Energia, Artur Lemos, estaria na incapacidade de investimento na expansão da rede, hoje restrita ao eixo Capital-Caxias do Sul.

Também superavitária, a CEEE-GT teve resultado positivo em 2016, mas com balanço puxado para cima em razão do pagamento de uma indenização da União – ou seja, receita que não se repetirá nos próximos anos. Porém, na bagagem, a companhia acumula passivo bilionário que teria de ser incluído na negociação. Conforme Lemos, o Estado não contrairia qualquer dívida:

– Não há possibilidade de o Estado assumir nenhum passivo. O resultado vai ser o que a companhia possui de ativos e passivos, faz-se uma conta, um menos o outro, e o resultado vai para o acionista.

Na outra ponta, aparecem as deficitárias CEEE-D e CRM. A companhia de energia elétrica teve prejuízo de R$ 527,1 milhões em 2016 e corre o risco de perder a concessão caso tenha um segundo ano de déficit. Já a estatal de mineração, também com as contas no vermelho, tem um único cliente – que está em crise.

RESISTÊNCIA NA ASSEMBLEIA E EM ENTIDADES DO FUNCIONALISMO

Diante do cenário, o Piratini reconhece que o avanço de pacote de privatizações é tarefa árdua. O primeiro entrave está na aprovação da PEC na Assembleia, ainda mais às vésperas do desembarque definitivo do PDT da base aliada.

– Vamos votar contra, porque temos convicção de que o governo comete erro estratégico ao tirar o Estado da atividade energética, que é área rentável – disse o deputado Luiz Fernando Mainardi, vice-líder do PT na Assembleia.

A ofensiva também é alvo de duras críticas de entidades como a Federação Sindical dos Servidores Públicos do Estado. O presidente Sérgio Arnoud diz que “lutará até o fim” para evitar a venda:

– É um equívoco enorme do governo, uma irresponsabilidade sem tamanho. Vender CEEE, CRM e Sulgás vai eliminar os últimos ativos do Estado.

Outra dificuldade está em encontrar compradores, já que o setor de energia nacional encara grave crise. O mais provável é que o governo dependa de investidores estrangeiros, avalia Rafael Herzberg, consultor da Interact Energy Consulting.

A SITUAÇÃO DAS ESTATAIS
SULGÁS
Responsável pela comercialização e
distribuição de gás natural canalizado no Estado
Acionistas
51% do Estado
49% da Petrobras Gás
Receita líquida (2016)
R$ 599,3 milhões
Lucro (2016)
R$ 130,8 milhões
152 funcionários
ATRATIVOS, SEGUNDO O GOVERNO
-É lucrativa para os acionistas
-Gasodutos demandam baixa manutenção
-Estrutura de pessoal adequada

ENTRAVES, SEGUNDO O GOVERNO
-Estado diz não ter capacidade de investimento para expandir a rede
-Não conseguirá atender demanda de gás a médio e longo prazo
-Há risco de queda na arrecadação de ICMS em razão da importação de gás pelo Mato Grosso do Sul

COMPANHIA RIOGRANDENSE DE MINERAÇÃO
Responsável pela exploração, produção e comercialização
de carvão e outros minerais no Estado
Acionistas
99% do Estado
Receita líquida (2016)
R$ 160,3 milhões
Prejuízo financeiro (2016)
R$ 31,8 milhões
Prejuízo operacional (2016)
R$ 3,3 milhões
415 funcionários

ATRATIVOS, SEGUNDO O GOVERNO
-Contrato de sete anos com a Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica (CGTEE)
-Bens compõem o patrimônio
-Direito de exploração sobre jazidas de carvão com 3 bilhões de toneladas

ENTRAVES, SEGUNDO O GOVERNO
-Depende de um único cliente, a CGTEE, que está em dificuldades financeiras
-Renegociação do contrato prevê redução de fornecimento e valor menor
-Estrutura de pessoal inadequada e cara (média salarial de R$ 6,4 mil)

CEEE GERAÇÃO E TRANSMISSÃO
Responsável pela transmissão e distribuição
de energia elétrica para parte do Estado
Acionistas
66% do Estado
33% da Eletrobras
Receita líquida (2016)
R$ 1,9 bilhão*
Lucro (2016)
R$ 923,7 milhões
*Incluindo receita extra que
não se repetirá nos próximos anos
1.681 funcionários

ATRATIVOS, SEGUNDO O GOVERNO
-Está com as contas em dia
-É lucrativa, mesmo que em razão de receita que não se repetirá, proveniente de indenização do governo federal por antecipação da concessão
-Tem investimentos em títulos públicos

ENTRAVES, SEGUNDO O GOVERNO
-Acumula prejuízos superiores a R$ 300 milhões por ano em razão da renovação antecipada da concessão
-Estrutura de pessoal inadequada e cara (salário médio de R$ 14 mil)
-Soma passivos de R$ 1,3 bilhão

CEEE DISTRIBUIÇÃO
Responsável pela distribuição de energia elétrica
a um terço dos consumidores do Estado
Acionistas
66% do Estado
33% da Eletrobras
Receita líquida (2016)
R$ 2,8 bilhões
Prejuízo (2016)
R$ 527,1 milhões
3.543 funcionários

ATRATIVOS, SEGUNDO O GOVERNO
-Contrato de concessão renovado, em dezembro de 2015, por 30 anos
-Queda nos custos operacionais
-Tem bens sem relação direta com a concessão e podem ser vendidos

ENTRAVES, SEGUNDO O GOVERNO
-Tem prejuízos financeiros
-Corre o risco de perder a concessão caso tenha um segundo ano de déficit
-Não há condições de melhorar os índices de qualidade técnica sem investimento
-Estrutura de pessoal inadequada e cara (média salarial de R$ 11,4 mil)

RS enfrenta a maior crise fiscal entre Estados

Ao avaliar a situação financeira dos Estados brasileiros, a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) concluiu que o Rio Grande do Sul está no topo do ranking da crise. De acordo com o estudo divulgado ontem pela entidade, o Regime de Recuperação Fiscal (RRF) em discussão no Congresso “não é suficiente” para sanar os problemas e terá de ser complementado por outras seis medidas, entre as quais privatizações – além daquelas que já estão sendo exigidas como contrapartida para a obtenção do socorro federal.

A nota técnica se baseia em dados de 2016, da Secretaria do Tesouro Nacional, e leva em conta quatro variáveis: o nível de endividamento, as despesas com pessoal, a disponibilidade de caixa e a capacidade de investimentos. Na média geral, o Estado governado por José Ivo Sartori enfrenta mais dificuldades do que Minas Gerais e Rio de Janeiro.

– O cenário é muito complicado nesses três Estados, em especial no Rio Grande do Sul. Sem um aporte do governo federal, vemos o risco de um colapso social – diz Jonathas Goulart, economista do Sistema Firjan.

Na avaliação dele, a adesão ao RRF, que ainda precisa de aprovação no Congresso, “vai na direção correta”, mas será “um alívio temporário”. Por isso, a Firjan defende que a União conceda empréstimo aos três Estados e volte a incluir os servidores estaduais na reforma da Previdência. Aos governadores, a entidade sugere duas iniciativas polêmicas: lançar “amplo programa de privatizações” e adotar o déficit zero, a exemplo do que fez a ex-governadora Yeda Crusius (PSDB).

O rol de soluções inclui, ainda, alteração na Lei de Responsabilidade Fiscal. Hoje, a norma estabelece que, no último ano de mandato, os gestores devem assegurar verbas suficientes para bancar as despesas postergadas para o ano seguinte.

– Queremos que essa regra passe a valer para todos os anos. Os restos a pagar deveriam ser usados apenas para leves ajustes e acabaram virando orçamentos paralelos – afirma Goulart.

RANKING ESTADUAL
Os técnicos da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) avaliaram a situação financeira dos Estados, levando em conta quatro indicadores: dívida, gasto com pessoal, disponibilidade de caixa e investimentos. Confira os 10 Estados em pior situação
1º) Rio Grande do Sul
2º) Minas Gerais
3º) Rio de Janeiro
4º) São Paulo
5º) Goiás
6º) Pernambuco
7º) Acre
8º) Sergipe
9º) Rio Grande do Norte
10º ) Distrito Federal

SITUAÇÃO DO RS
-Gastos com pessoal: RS é o 2º pior do país
Em 2016, o Estado comprometeu 76,1% da receita corrente líquida (RCL) com a folha de pagamento dos servidores. O RS só ficou atrás de Minas, que usou 78% da RCL.
-Endividamento: RS é o 2º pior do país
Também no ano passado, a dívida do Estado representou 213% da RCL. O Estado mais endividado foi o Rio, onde o passivo chegou a 232% da RCL.

-Disponibilidade de caixa:
RS é o pior do país
A diferença entre os restos a pagar e os recursos em caixa representou 41,9% da RCL. Traduzindo, R$ 14,5 bilhões em despesas foram postergados para 2017, sem cobertura.
-Investimentos: RS é o pior do país
O RS foi o Estado que menos investiu no ano passado – apenas 1,8% da RCL. Desde 2014, o percentual não ultrapassa 2%.

PRINCIPAIS RESULTADOS
O impacto da dívida
-É problema apenas para quatro Estados: RJ (232% da RCL), RS (213%), MG (203%) e SP (175%), sendo que os três primeiros ultrapassaram o limite legal de 200% da RCL.

O gasto com pessoal
-Em média, o percentual de gastos com pessoal nos Estados foi de 58,8% da RCL em 2016, perto do teto de 60%. Dos 27 Estados, 13 ultrapassaram o limite. Confira o topo da lista:
Minas Gerais 78% da RCL
Rio Grande do Sul 76,1% da RCL
Rio de Janeiro 72,3% da RCL

O déficit com a Previdência
-O rombo somou R$ 102,4 bilhões em 2016. Ao todo, 24 Estados tiveram de aportar, em média, 12,7% da RCL para cobrir as despesas com inativos e pensionistas. O RS teve o maior índice:
Rio Grande do Sul 40,5% da RCL
Minas Gerais 27,8% da RCL
São Paulo 25,2% da RCL
Os restos a pagar
-Cinco Estados encerraram 2016 com mais restos a pagar do que recursos disponíveis em caixa. Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Sergipe e Distrito Federal somaram gastos R$ 29,5 bilhões sem cobertura.
A queda nos investimentos
-Em comparação com 2014, os investimentos caíram 53,4% nos Estados, em termos reais. Em 2016, a média de recursos aplicados atingiu o patamar mais baixo dos últimos nove anos: 5,3% da RCL. Confira os Estados que menos investiram:
Rio Grande do Sul 1,8% da RCL
Amapá 2,1% da RCL
Goiás 2,7% da RCL

SUGESTÕES PARA SAIR DO BURACO
Para a Firjan, a proposta de criação do Regime de Recuperação Fiscal dos Estados e do Distrito Federal (RRF) “não é suficiente” para resolver a crise e “apenas trará alívio temporário”. Os técnicos da entidade propõem seis medidas.

1 Empréstimo para
garantir fluxo de caixa
Em alguns Estados faltam recursos para pagar funcionários e fornecedores. Como medida emergencial, a União poderia fazer empréstimo excepcional a RS (R$ 14,5 bilhões), RJ (R$ 11,1 bilhões) e MG (R$ 3,7 bilhões).

2 Renegociação da dívida
A renegociação deve ser aplicada apenas aos três Estados cujas dívidas ultrapassaram o limite legal: RJ, RS e MG. Além da suspensão por até seis anos, sugere-se a extensão do prazo de pagamento.

3 Privatizações,
concessões e venda de ativos
A forma mais rápida para reaquecer a economia estadual, gerar empregos e aumentar a arrecadação é ampliar a participação do setor privado. Os Estados devem lançar amplo programa de privatizações, concessões e venda de ativos.

4 Previdência
A reforma em discussão no Congresso deve incluir servidores estaduais, caso contrário o déficit seguirá em trajetória explosiva. Além da reforma, é preciso aumentar as alíquotas de contribuição previdenciária (do segurado e a contribuição patronal) e dividir as despesas com inativos e pensionistas entre os poderes, já que na maioria dos casos a responsabilidade é exclusiva do Executivo.

5 Déficit zero
Para evitar a necessidade de novos socorros no futuro, propõe-se duas regras fiscais aos Estados: déficit total zero para aqueles cujas dívidas estão acima do limite legal, e déficit primário zero para todos os Estados, mesmo onde as dívidas estão abaixo do limite – não poderão gastar mais do que arrecadam.

6 Restos a pagar
Os graves problemas de liquidez ocorrem por conta do uso excessivo de restos a pagar sem cobertura de caixa. A Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece que, em último ano de mandato, a gestão deve ter verbas suficientes para fazer frente às despesas postergadas para o ano seguinte. Essa regra deve ser estendida a todo o mandato.

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Fonte: jornal Zero Hora