Governo estadual anuncia abertura de sindicância para apurar irregularidades em liberações de crédito na agência de fomento. Deputados não descartam buscar criação de CPI

Reações nos poderes Executivo, Legislativo e órgãos de controle sucederam a revelação, feita por reportagem de ZH, de que o Badesul sofreu calote de R$ 140 milhões, em valores atualizados pelos encargos contratuais, somente em empréstimos a Iesa Óleo e Gás e a Wind Power Energia. Os contratos foram firmados entre 2011 e 2014, na gestão de Marcelo Lopes à frente do banco, durante o governo Tarso Genro (PT).

O Palácio Piratini anunciou a criação de sindicância para verificar irregularidades nas liberações de crédito, que contaram com flexibilização na exigência de garantias bancárias. A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) irá integrar o grupo. Uma reunião hoje irá definir critérios técnicos da atuação.

“O governo enfatiza a necessidade de apuração dos fatos para resguardar o patrimônio público e não medirá esforços, no âmbito de sua competência, para reaver os valores emprestados”, informa nota distribuída pelo Piratini.

Ontem à tarde, horas antes da decisão do governo de abrir investigação própria, o deputado estadual Sérgio Turra (PP) chegou a anunciar oficialmente que começaria a recolher assinaturas a favor de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) do Badesul. Turra acabou recuando com a alegação de que a sindicância “pode trazer mais subsídios para uma eventual investigação parlamentar”. O deputado não descarta retomar a busca de apoios à CPI “em um segundo momento”.

Apesar da ponderação de Turra, outros parlamentares avaliaram que a Assembleia deve ter participação ativa na apuração dos fatos.

– O caso é gravíssimo. Guardadas as proporções, é muito similar ao que aconteceu com a Petrobras. Quebraram a empresa devido à irresponsabilidade com os recursos – afirma Gabriel Souza (PMDB), líder do governo.

A Assembleia está de recesso devido às eleições municipais. Na próxima segunda-feira, as atividades serão retomadas.

– Não podemos perder tanto dinheiro, ainda mais sabendo que foi feita toda uma engenharia para isso. Essa situação não tem nada a ver com crise. Houve interesse – diz o deputado estadual Marlon Santos (PDT).

Ex-dirigente afirma que prestará esclarecimentos

Líder do PT na Assembleia, Luiz Fernando Mainardi avalia que uma CPI requer “responsabilidade” e indícios concretos que justifiquem a sua abertura.

– Aquilo que tiver evidências, deve ser investigado. Mas existem as provas de favorecimento? Que isso não sirva como justificativa para fechar esse importante instrumento de fomento à economia do Estado – afirma Mainardi.

À frente do banco de 2011 a 2014, Marcelo Lopes disse que prestará “todos os esclarecimentos”.

– Tenho trajetória sem nenhuma mácula. Vou com tranquilidade, operamos sem nenhum dolo, buscando desenvolver o Rio Grande do Sul. Aconteceu essa tragédia na economia que redunda nessa discussão sobre as nossas operações – avaliou Lopes.

O Ministério Público Estadual (MP) indicou ontem que também deverá abrir investigação para apurar eventual prática criminosa e de improbidade administrativa (veja na página ao lado) na gestão da agência.

Ministério Público cobra explicações

O Ministério Público Estadual (MP) deve instaurar investigação para apurar os contratos de financiamentos firmados pelo Badesul durante o governo Tarso Genro, entre 2011 e 2014, período em que a agência de fomento foi presidida por Marcelo Lopes.

– A partir do que foi trazido pela reportagem, com indicação de documentos e contratos, verificamos situação bastante grave. Vamos buscar esclarecimentos iniciais para verificar se isso configura mero problema de gestão ou se há responsabilidade criminal e de improbidade administrativa a ser apurada. Parece-me o caminho natural a abertura de investigação. Há indicativos de gravidade que merecem análise rigorosa dos órgãos de controle – diz o promotor Fabiano Dallazen, titular da subprocuradoria-geral de Justiça para Assuntos Institucionais do MP.

No Tribunal de Contas do Estado (TCE), duas auditorias extraordinárias estão em andamento para apurar a evolução dos contratos com Iesa Óleo e Gás e Wind Power Energia, que acarretaram calote de R$ 140 milhões ao Badesul, em valores atualizados pelos encargos contratuais. Fontes do órgão de controle informam que o processo, que corre em sigilo, sob a relatoria do conselheiro Iradir Pietroski, está na fase de depoimento dos antigos gestores do banco, que estão sendo chamados a prestar esclarecimentos. Na Corte, a expectativa é de que as auditorias possam ser julgadas pelo pleno até o primeiro semestre de 2017.

Mais um calote. Agora de R$ 17,6 milhões

Não foi somente de grandes empresas do setor de energia que o Badesul sofreu calote. A partir da política expansionista aplicada entre 2011 e 2014, pequenos e médios empreendimentos regionais também tomaram créditos com a apresentação de garantias frágeis. Mas o desfecho foi semelhante: inadimplência, pedido de recuperação judicial e desfalque nas contas do banco gaúcho.

É o caso da D’Itália Móveis, de Monte Belo do Sul, na Serra. A empresa pediu R$ 10 milhões ao Badesul por meio da linha Progeren, do BNDES, destinada a capital de giro. O comitê de crédito da agência de fomento atribuiu nota C à D’Itália, o que ainda fica dentro dos parâmetros de mercado de “qualidade de carteira”. As operações de risco se concentram entre as classificadas nas letras D a H.

Em reunião de diretoria em 12 de março de 2013, conforme registrado em ata, somente a então diretora de Operações, Lindamir Verbiski, foi favorável à concessão do financiamento. O vice-presidente Pery Coelho votou contra “em função do rating (nota) da empresa”. O terceiro diretor presente, Luis Alberto Bairros, também foi contrário. Em vez de declarar a rejeição, foi chamado novo encontro. Lindamir diz que na reunião posterior houve decisão unânime de seis diretores a favor da operação.

– O comitê de crédito havia condicionado o negócio à apresentação de garantias de 130%. Pedi aumento para 150% – afirma Lindamir.

Em abril de 2015, a D’Itália solicitou recuperação judicial. Das parcelas que devia ao Badesul, pagou apenas R$ 300 mil e, depois, entrou em inadimplência. Atualmente, considerados os encargos contratuais, a moveleira tem dívida de R$ 17,6 milhões com o banco controlado pelo governo estadual. As garantias aceitas no contrato foram frágeis.

Prova disso é que, no plano de recuperação judicial da D’Itália, o Badesul ficou entre os credores que não têm garantia real. A empresa havia ofertado como salvaguarda uma máquina usada e uma casa em Capão da Canoa. O banco tenta executar a residência, mas encontra dificuldades porque ela não está em nome da fábrica.

– Foi dada uma garantia de terceiro, que não era exatamente da empresa. A casa está no nome da companhia dos meus filhos – explica Noemir Capoani, presidente da D’Itália.

Lindamir afirmou que o fato de a casa estar no nome de um sócio e não da empresa, “ao contrário do que parece, é um fortalecimento da garantia”.

– Está à parte do patrimônio da empresa, não pode ser arrolada em processo de falência ou recuperação judicial. Isso é normal no mercado financeiro nos casos de micro e pequena empresa – justificou a ex-diretora.

Capoani explicou ainda como ocorreu a aproximação com a agência de fomento, que, no governo Tarso Genro, adotou prática agressiva de concessão de crédito.

– Foi a primeira vez que tomei empréstimo no Badesul. Eles estiveram em Bento Gonçalves, em uma palestra, dizendo que tinham verbas para emprestar. Aí levantamos o negócio. Falamos direto com o Marcelo Lopes, ele esteve duas vezes na nossa empresa – explicou Capoani.

Fonte: jornal Zero Hora