Devido a acúmulo de gratificações, cargos em comissão podem receber até 10 vezes o valor da remuneração básica

Uma das metas anunciadas por Nelson Marchezan ao assumir a prefeitura da Capital – não pagar salário maior do que R$ 9,3 mil para nenhum ocupante de cargo em comissão (CC) – vai depender de bem mais do que uma assinatura para se tornar realidade. Levantamento feito por ZH no portal da transparência da prefeitura mostrou que, até dezembro, 215 CCs ganhavam mais do que esse limite. São beneficiados por um sistema de gratificações alimentado desde os anos 1980, que chega a multiplicar o valor de salários básicos em até 10 vezes.

Criadas para remunerar serviços extraordinários dos servidores públicos, as gratificações acumuladas geraram nove casos de CCs que recebem mais do que o próprio prefeito, contrariando a Constituição Federal. O assunto está em análise pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS).

Pagamentos que vão bem além da remuneração básica não são exceção na prefeitura. Existem mais de 40 tipos de extras que podem engordar os vencimentos dos servidores, e pelo menos 14 deles podem ser concedidos a CCs – destes, 11 foram criados na última década. As gratificações, que em alguns casos podem ser cumulativas, são as principais responsáveis pelos supersalários de cargos em comissão na Capital. Graças a elas, salários básicos de R$ 2,2 mil podem passar dos R$ 22 mil. Conforme a Constituição, o servidor municipal de maior salário deve ser o prefeito – Marchezan hoje recebe R$ 19,4 mil mensais.

– Tem CCs ganhando muito mais do que isso, por critérios de amizade, de lotação. A regra é demitir todos os comissionados. Só devem ser mantidos os que tiverem alguma questão legal em uma secretaria específica – sinalizou Marchezan.

Até o fim de 2016, o gasto com cargos em confiança representava cerca de R$ 9 milhões por mês. Em janeiro, cerca de 370 CCs foram exonerados e 49 novos foram nomeados, e o quadro passou de 1.042 para 721, com uma redução no custo de R$ 3,28 milhões mensais. Segundo o prefeito, a intenção é chegar a 550 cargos.

500 CARGOS ENTRAM RECEBENDO O DOBRO

Muito disso se explica porque mais da metade dos CCs recebem, pelo menos, uma gratificação. Criada nos anos 1990, a chamada Gratificação de Incentivo Técnico (GIT) faz com que pelo menos 500 não concursados, dos mais diversos setores, já ingressem na administração pública recebendo o dobro de seu salário básico, atualmente em torno de R$ 2,2 mil. O bônus foi criado para gratificar quem tem diploma de nível superior. Apesar disso, é pago em cargos que já exigem nível superior para serem ocupados.

Para começar a enfrentar o problema, a prefeitura deve propor um projeto de lei que desindexe em definitivo as gratificações dos vencimentos dos não concursados. Dessa forma, excetuados os secretários titulares e adjuntos, eles não poderiam ganhar mais do que R$ 9,3 mil. Sua aprovação, no entanto, não significa que o problema será resolvido de imediato: benefícios como a progressão salarial por tempo de serviço (os chamados avanços) exigirão projetos de lei específicos para serem derrubados. Um grupo da prefeitura trabalha desde o começo do mandato em um estudo que será utilizado como base para a reformulação do sistema de remunerações.

Responsáveis pelas obras da Copa ganham bônus mensal de R$ 8 mil

Setores ligados à gestão da cidade, que não lidam diretamente com a população, são onde mais gratificações são concedidas – não necessariamente para remunerar funções ou qualificações especiais. Das nove repartições com mais tipos de extras, apenas o Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) e a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) são voltadas à prestação de serviços diretos à população.

– Há questões de responsabilidade que exigem um pouco mais do servidor. Algumas gratificações, dentro das secretarias de meio, foram criadas para dar conta disso. De fato, as secretarias finalísticas têm menos. Acredito que seja porque têm um volume maior de servidores concursados – reflete o secretário-adjunto da Administração, Carlos Fett Paiva Neto.

Responsável pelas obras de infraestrutura previstas para a Copa de 2014 e ainda não terminadas, a Secretaria de Gestão ganha um incentivo financeiro por ter assumido esse trabalho. Os CCs de nível 8 (o mais alto) vinculados à pasta recebem uma gratificação mensal de R$ 8 mil. Embora nem a metade dos projetos tenha terminado a tempo do Mundial, a recompensa vem sendo paga há mais de quatro anos.

Titular da pasta à época em que a gratificação foi criada, Urbano Schmitt diz que o bônus veio com a criação de um grupo de trabalho responsável pelas obras – exigência da Confederação Andina de Fomento (CAF) para financiar parte dos trabalhos. A gratificação destinada a eles partiu da prefeitura. Os R$ 8 mil fixados, mais altos do que a maioria dos benefícios desse tipo, teriam sido definidos pela Secretaria de Administração.

– Eles (a CAF) exigiram a criação do grupo de gestão do financiamento, mas o prefeito não precisa pagar a mais para quem trabalha nele. Foi a administração da prefeitura que decidiu assim, e o valor (da gratificação) foi calculado em cima de parâmetros de outros órgãos que recebem benefícios – disse o ex-secretário.

COMO AS GRATIFICAÇÕES AFETAM A REMUNERAÇÃO DOS CCS

Zero Hora baseou-se no contracheque de dois servidores de órgãos diferentes da prefeitura de Porto Alegre para mostrar como o sistema de gratificações pode afetar sua remuneração. Os dois funcionários em questão são [Cs de nível 5, com curso superior, contratados para o cargo de assistente.

.

Fonte: jornal Zero Hora