CONCESSÃO DE EMPRÉSTIMO a Iesa e Wind Power flexibilizou exigências de garantias como parte de política agressiva de incentivo à instalação de empreendimentos no Estado, mas inadimplência provocou prejuízo histórico que redundou na atribuição de nota zero ao banco gaúcho pelo BNDES

A história que levou o Badesul, banco de fomento do Estado, à inviabilidade financeira remonta aos quatro anos de gestão do governo Tarso Genro, entre 2011 e 2014. Nesse período, a instituição multiplicou exponencialmente a liberação de financiamentos, principalmente para clientes de risco, negligenciando a exigência de garantias de pagamento e subestimando a fragilidade das operações, em atrito com normas do Banco Central. A política resultou em calotes sofridos pelo Badesul. Empresas de porte grande e médio tomaram empréstimos milionários, não fizeram os investimentos prometidos e o dinheiro se perdeu. Pior: não pagaram as prestações dos financiamentos. A dívida ficou com o banco gaúcho.

Na prática, a conta caiu no colo do contribuinte e do governo estadual, controlador da instituição. Zero Hora teve acesso com exclusividade a contratos problemáticos assinados pelo Badesul à época em que era presidido pelo engenheiro mecânico e mestre em Engenharia de Produção Marcelo Lopes: um da Wind Power e outro da Iesa Óleo e Gás, que entraram com pedido de recuperação judicial meses depois de receberem valores do banco.

Somente no caso destes dois empreendimentos, em valores atualizados pelos encargos contratuais, o Badesul sofreu calote de R$ 140 milhões, um prejuízo histórico na política do Estado. Esse é o valor que ingressa na contabilidade do banco e que deveria ser pago pelos devedores em condições normais. Pelos montantes previstos nas recuperações judiciais, o desfalque alcança R$ 95,7 milhões. Na fraude do Detran, por exemplo, a perda foi de R$ 90 milhões (valores calculados em 2014).

O modelo de gestão implementado por Lopes levou o Badesul a sofrer uma sanção do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que, no dia 14 deste mês, rebaixou a nota da agência gaúcha de fomento a zero. Com isso, não poderá mais captar recursos do BNDES para fazer financiamentos. O fato sinaliza a inviabilização do Badesul, considerando que 95% dos valores movimentados em suas operações de crédito têm o BNDES como origem.

O Banco Central pediu explicações sobre as operações com a Iesa e a Wind Power. Esses são os dois casos mais gritantes, mas há outros focos de suspeita. Em 2014, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) requisitou a documentação de 55 financiamentos feitos pelo Badesul para empreendimentos. O pedido foi rejeitado pela instituição sob a alegação de sigilo bancário.

OPERAÇÕES DE RISCO CHEGARAM A EQUIVALER A 198,2% DO PATRIMÔNIO LÍQUIDO DO BANCO

No final de 2013, as operações de risco de letra “B ou pior”, com potenciais clientes sem condições de pagar, conforme análise feita pela área técnica do TCE, somavam R$ 1,451 bilhão, equivalente a 198,2% do patrimônio líquido do banco, à época fixado em R$ 732,2 milhões. Isso significava que, caso metade dessas operações resultasse em calote, o patrimônio do Badesul estaria completamente liquidado.

No mercado financeiro, os parâmetros são distintos. É considerada “de risco” a composição da carteira de crédito entre as letras D e H. Por esse critério, no balanço de 2015, o Badesul tinha R$ 355 milhões em empréstimos de quitação duvidosa, mais de 10% da carteira, índice alto segundo analistas de mercado.

Nesta reportagem, ZH mostra detalhes da trajetória recente do banco que era a aposta do governo Tarso para injetar recursos no desenvolvimento e modernização da economia do Estado, mas foi levado ao fundo do poço por equívocos de avaliação de garantias, alta concentração de empréstimos em poucos clientes e baixas taxas de rentabilidade (spread).

R$ 50 milhões levados pelo vento

Nos corredores e rodas de conversa no Badesul, o financiamento concedido para a Wind Power Energia é considerado o maior fiasco da gestão que esteve à frente do banco entre 2011 e 2014. Ocorreram problemas na análise de crédito e de garantias de pagamento. A forma de liberação dos valores também contrariou as normas usuais. O resultado foi um prejuízo sem precedentes. A empresa entrou em recuperação judicial e, depois de ter recebido o financiamento, foi colocada na classe H de classificação de risco, o último dos degraus negativos.

A Wind Power recebeu R$ 50 milhões do Badesul, por meio de linha do BNDES, para construir uma fábrica de geradores eólicos e seus componentes em Guaíba. O contrato foi assinado em 28 de março de 2013. A empresa pagou apenas R$ 1 milhão em 2014. O restante ficou sem quitação e a prometida fábrica não foi construída. Não se sabe o paradeiro do dinheiro, mas a dívida ficou com o Badesul, que mensalmente precisa cobrir parcelas no BNDES.

Considerando os encargos contratuais, a Wind Power deve ao banco de fomento gaúcho a quantia de R$ 75 milhões. Pela correção prevista na recuperação judicial, a dívida é de R$ 52 milhões.

EMPRÉSTIMO FOI CONCEDIDO COM BASE EM SALVAGUARDA DE RECEBÍVEIS INCERTOS

Um dos principais equívocos no caso do empréstimo à Wind Power ocorreu na questão das garantias. A cédula de crédito bancário registra que a empresa se limitou a dizer que as garantias oferecidas ao Badesul eram “recebíveis” futuros dos contratos não especificados para fornecimento de aerogeradores a parques eólicos. Pela lógica do mercado bancário, os recebíveis até podem ser aceitos como garantia, desde que haja algum contrato assinado e especificado, previsão de geração de receita líquida e certa de longo prazo ou sucesso em uma licitação de fornecimento de insumos ou energia ao governo federal.

A Wind Power não especificou se contava com esses requisitos. Ofereceu receitas futuras que eram incertas, já que não tinha sequer começado a obra da sua fábrica, que nunca saiu do papel.

Para um empréstimo de R$ 50 milhões, as boas práticas do mercado determinariam a apresentação de garantias de pelo menos R$ 65 milhões, o que equivale a 130% do montante concedido. Na prática, o Badesul se contentou com a promessa de garantia frágil. E o risco se confirmou meses depois: a Wind Power se beneficiou de R$ 50 milhões, não fez os investimentos na fábrica, jamais executou contratos de fornecimento de equipamentos de aerogeradores na planta gaúcha e deixou um prejuízo milionário com o banco.

No primeiro aditamento ao contrato, assinado em 26 de agosto de 2013, a controladora da Wind Power se apresenta como “responsável solidária” pelo cumprimento das obrigações da sua subsidiária. Uma sinalização de que não haveria calote. A controladora estava ali para dar suporte. Trata-se da Indústria Metalúrgica Pescarmona (Impsa), com sede na Argentina. A carta de fiança indicou que o responsável pela liquidação dos débitos junto ao Badesul era o proprietário da Impsa, o argentino Luis Enrique Pescarmona, que, pelos documentos apensados no processo de crédito, reside no Leblon, no Rio de Janeiro. A inclusão da Impsa como responsável, até agora, não resultou em nada para o Badesul. A carta de fiança foi feita com regras da Argentina e a execução contra a empresa não avança. O Banco Central, recentemente, intimou o Badesul a explicar as operações com a Iesa e a Wind Power. No caso específico da empresa de aerogeradores argentina, o Banco Central reproduziu um trecho da análise de crédito da Impsa feita no próprio Badesul – o documento chama-se Considerações Gerais da Avaliação de Risco Cliente, de 20 de novembro de 2012. Embora a empresa tenha sido considerada fragilizada, o Badesul classificou a Wind Power na categoria “bom”.

“A expansão das suas atividades foi alavancada com recursos financeiros onerosos, especialmente de bancos oficiais brasileiros. Possui situação econômico-financeira e estrutura de capitais, aparentemente, não satisfatória em consequência dos altos investimentos efetuados, sem capacidade financeira apropriada de recursos próprios. Vem sofrendo dificuldades na solvência dos seus compromissos financeiros, dado o desequilíbrio do seu fluxo de caixa. (…) Dada a dependência dos recursos financeiros onerosos, a viabilidade do grupo está refém dos principais bancos credores”, dizem trechos da análise de risco do próprio Badesul sobre a Impsa/Wind Power.

Ainda assim, depois de identificar e registrar uma série de riscos da operação, o banco gaúcho emprestou R$ 50 milhões com garantias fragilizadas. O Banco Central, no documento em que intimou e pediu explicações, avaliou o cenário e a carta de fiança em que a Impsa se apresentou como responsável para quitar o passivo. “Essa carta de fiança foi registrada na Argentina, portanto, a sua exequibilidade é regida pelas leis daquele país. Por essa razão, o Badesul teve, posteriormente, que contratar escritório de direito empresarial internacional para representá-lo na execução da fiança. Apesar das considerações expostas, foi atribuído o conceito bom ao risco cliente e da operação, e o relatório de análise foi encerrado com considerações a respeito da importância do empreendimento para o Estado do Rio Grande do Sul”, diz trecho do documento do Banco Central. Pescarmona também se comprometeu a depositar valores em uma conta no Banrisul a título de garantia, mas não cumpriu o acordo.

VALORES LIBERADOS EM PARCELA ÚNICA PARA EMPRESA SEM RELACIONAMENTO COM O BANCO

Os problemas não param por aí. Os R$ 50 milhões foram liberados à Wind Power em apenas um tranche, ou seja, em uma tacada só. Em geral, os bancos diluem os financiamentos em parcelas que somente são liberadas quando vistorias de medição indicam que os investimentos no projeto estão sendo feitos. Se a execução avança, observados um cronograma e outros critérios, nova fatia do crédito é liberada. Isso ajuda a mitigar fracassos. Mais uma vez, a regra geral do mercado foi flexibilizada com a adoção do tranche único, sem medição periódica de execução da construção da fábrica. A Wind Power jamais havia tido qualquer relacionamento com o Badesul. Também por isso, a primeira experiência deveria ser mais parcimoniosa, mas a direção do banco atuou com tranche único e alto volume de operação, com concentração de R$ 50 milhões – cifra demasiada para os padrões do Badesul – em um só cliente. Além disso, a verba repassada à Wind Power era de uma linha de crédito do BNDES para capital de giro, considerada uma das mais arriscadas para quem empresta.

A Impsa é conhecida no mercado brasileiro. O grupo tinha operação – foi decretada falência – no Porto de Suape, em Pernambuco, e foi citado na delação premiada do senador cassado Delcídio Amaral (MS) como suposto participante do esquema de propinas de empresas que atuam nas obras da usina hidrelétrica de Belo Monte.

“Delcídio do Amaral sabe que existiu uma forte disputa em relação ao fornecimento dos equipamentos de Belo Monte, envolvendo, de um lado, os chineses (patrocinados por Bumlai), e de outro lado, os fabricantes nacionais (Alstom, Siemens, Impsa e Iesa). O triunvirato (que seria integrado por Silas Rondeau, Erenice Guerra e Antonio Palocci) agiu rapidamente, definindo que o fornecimento dos equipamentos seria realizado pelos fabricantes ‘nacionais’, tudo na busca da contrapartida, revelada nas contribuições de campanha. Delcídio recorda-se da influência direta do ex-governador Eduardo Campos a favor, especificamente, da Impsa. De todos os concorrentes, a Impsa era a única com cadeira cativa. Delcídio acredita que a contratação de equipamentos girou entre R$ 15 milhões e R$ 20 milhões de contribuições ilícitas para as campanhas do PMDB e do PT”, diz trecho da delação assinada com o Ministério Público Federal, no curso da Operação Lava-Jato.

Até hoje, o Badesul nem sequer conseguiu intimar o argentino Luis Enrique Pescarmona para lhe cobrar uma solução à dívida deixada pelo seu grupo. Ele não é encontrado.

DETALHE ZH
A única garantia deixada pela Wind Power foi o terreno no qual se instalaria em Guaíba. A área foi vendida, em outubro de 2015, pela atual gestão do Badesul. Com a operação, foi possível recuperar R$ 3,6 milhões para o banco, o que equivale a apenas 7,2% dos R$ 50 milhões tomados pela empresa argentina.

ESTRUTURA
O Badesul é um banco de fomento controlado pelo Estado.
A sede fica na Rua Andrade Neves, no centro de Porto Alegre.
O banco tem seis diretorias: presidência, vice-presidência, administrativa, financeira, operações, inovação e sustentabilidade.
São hoje 205 funcionários, sendo 173 celetistas concursados. Os demais são adidos, estagiários e aprendizes.
Em 2016, a folha de pagamento deverá somar R$ 43,5 milhões.

CONTRAPONTOS

O QUE DIZ A IESA
A reportagem de Zero Hora enviou e-mail, na sexta-feira, com questionamentos sobre os contratos com o Badesul para a assessoria de imprensa da Iesa. Até o fechamento desta edição, a empresa não havia retornado o contato.

Do sonho ao fracasso do polo naval

Integrante do grupo Inepar, a Iesa Óleo e Gás estava impedida, nos idos de 2011 e 2012, de contratar empréstimos no BNDES porque a sua controladora estava com pendências cadastrais no banco. O Badesul, decidido a apoiar a implantação do estaleiro da empresa em Charqueadas, resolveu tirar R$ 40 milhões das suas reservas, do próprio bolso, para emprestar. Inicialmente, o banco gaúcho custearia a operação enquanto a situação não se regularizasse no BNDES. Como isso não ocorreu, o Badesul assumiu o negócio definitivamente com capital próprio, uma transação direta com empreendimento rejeitado pelo BNDES, o que é incomum na história da agência.

Os repasses foram divididos em três parcelas, “tranches” na linguagem do mercado financeiro. Foram R$ 20 milhões em setembro, R$ 5 milhões em novembro e R$ 15 milhões em dezembro de 2012.

No papel, a Iesa iria se instalar no polo naval de Charqueadas e construir equipamentos para a Petrobras e outras líderes da indústria naval. A promessa era de desenvolvimento, geração de emprego, tecnologia e pujança. Se desse certo, poderia contribuir com a revitalização da economia do Estado. Na realidade, a empresa entrou em recuperação judicial – deferida em 15 de setembro de 2014 – e o empreendimento não vingou. Considerando encargos contratuais, a Iesa deve R$ 65 milhões ao Badesul. Pelos valores da correção da recuperação judicial, R$ 43,7 milhões.

Os pagamentos feitos pela Iesa a título de quitação do financiamento somaram R$ 4,1 milhões, pouco se comparado aos R$ 40 milhões repassados à empresa.

O item das garantias bancárias chama atenção no fechamento do negócio. Em geral, o mercado financeiro aplica a seguinte regra: o beneficiado por empréstimo tem de apresentar garantias que somem 130% o valor que está tomando – norma citada em resolução interna da agência. Isso significa que, se uma empresa pedir R$ 10 milhões, terá de empenhar garantias de R$ 13 milhões. O Badesul flexibilizou isso na resolução interna 232/2013, que atribuiu a sua superintendência a tarefa de aceitar garantias “não averbadas” e com salvaguardas inferiores aos 130%. A Iesa se beneficiou de R$ 40 milhões e, como garantia, registrou em contrato terreno avaliado em R$ 13,9 milhões, conforme a cédula de crédito bancário. A área está sob a matrícula 23.628, no Registro de Imóveis da Comarca de São Jerônimo. A avaliação do seu valor em R$ 13,9 milhões representou garantia de cerca de 34,7%.

Os detalhes do terreno também são reveladores. Na verdade, nem sequer pertencia à Iesa. Originalmente, era de propriedade da empresa Granja Carola S/A. A prefeitura de Charqueadas, que entrou no negócio como interveniente, providenciou a “desapropriação amigável” do imóvel, mediante indenização, e posterior doação à Iesa, que se instalaria no local. Toda essa documentação foi homologada no Registro de Imóveis da Comarca de São Jerônimo e, depois, anexada ao contrato com autenticação do 1º Tabelionato de Notas de Porto Alegre.

TERRENO VALORIZOU R$ 10 MILHÕES EM UM ANO ANTES DE SER DADO COMO GARANTIA

Os documentos juntados ao financiamento, com registro em cartório, afirmam que o terreno repassado à Iesa valia R$ 3,9 milhões. Esse foi o valor de indenização combinado com a Granja Carola no ato de desapropriação, em 9 de dezembro de 2011. Quando o terreno foi dado como garantia ao Badesul, em 2012, a avaliação subiu para R$ 13,9 milhões, conforme registrado em contrato – valorização de R$ 10 milhões em menos de um ano. A justificativa é de que a Iesa ergueu atracadouro e benfeitorias no local.

O acordo acerca do terreno, homologado no Registro de Imóveis da Comarca de São Jerônimo, diz que, caso a Iesa descumprisse obrigações como funcionar na cidade pelo período mínimo de cinco anos, a área deveria ser integralmente devolvida ao município, inclusive com as construções. Isso indica que, com o entrave do empreendimento, o terreno poderá ser alvo de disputa judicial. Além disso, o banco está na classe 2 de credores. Antes dele, estão na fila para receber os antigos trabalhadores da empresa.

Em aditamentos feitos na “cédula de crédito bancário”, a Iesa incluiu como garantias futuros “recebíveis” pela sua participação no consórcio QGI (Iesa/Queiroz Galvão), que havia firmado contrato com a Petrobras para a integração das plataformas P-75 e P-77. Com os problemas financeiros e a crise do petróleo, o consórcio acabou fragilizado e o negócio com a Petrobras, dado como garantia bancária ao Badesul, não se concretizou até hoje.

O banco de fomento sabia das dificuldades financeiras da Iesa. Mesmo assim, dava continuidade ao negócio. A expectativa era de que a construção da planta, com equipamentos de primeira linha e edificações, redundaria naquilo que é chamado de “garantia evolutiva”. A própria estrutura montada com o dinheiro do empréstimo seria a salvaguarda. Mas, como o plano fracassou, o terreno tem hoje apenas estruturas que estão se depreciando. Como o polo naval de Charqueadas não decolou, a área desvalorizou. O prejuízo recaiu no Badesul.

“As partes em comum acordo, tendo em vista as dificuldades operacionais da beneficiária na implantação e execução de seus projetos junto ao polo naval do Estado, que vem provocando a sua inadimplência, firmam o presente aditamento”, diz a revisão contratual.

Com a situação já em estado crítico, o banco definiu, no adendo ao contrato da última parcela, que a Iesa deveria apresentar garantias mais factíveis.

“Fica acordado que a beneficiária obriga-se a apresentar ao Badesul a comprovação dos investimentos já realizados na sua unidade no município de Charqueadas. No prazo de 90 dias, será apresentado pela beneficiária garantia real hipotecária complementar no valor mínimo de R$ 26 milhões”, diz trecho do aditamento assinado em 14 de março de 2014.

Tarde para correções. O calote já estava desenhado.

OPERAÇÃO

O QUE DIZ A WIND POWER
ZH também enviou e-mail, na sexta-feira, com questionamentos para o setor de comunicação da Impsa, empresa argentina controladora da Wind Power. Até o fechamento desta edição, a reportagem não havia recebido retorno.

PASSO A PASSO DA DECADÊNCIA
– Em julho de 2014, o Tribunal de Contas do Estado (TCE), em auditoria ordinária no Badesul, pediu acesso a 55 operações do banco por meio da “Requisição 09/2014”.
-O objetivo era verificar os critérios de concessão de crédito. Algumas dessas medidas foram tomadas após pedidos de providência do deputado estadual Marlon Santos (PDT). Em 2014, o TCE teve as solicitações negadas sob alegação do sigilo bancário.
A Ainda assim, abriu o processo 9607-0200/13-5, inicialmente baseado em análise de balanços da agência. Os apontamentos (veja abaixo) já indicavam o processo de deterioração financeira. Com o ingresso da atual diretoria em maio de 2015, o TCE passou a ter acesso aos documentos antes negados.
-Uma inspeção extraordinária foi aberta para analisar exclusivamente os casos da Iesa e da Wind Power. O relator do caso, que tramita em sigilo, é o conselheiro Iradir Pietroski. O Banco Central também abriu apurações acerca das duas negociações.
Veja algumas das informações que constam no relatório de auditoria ordinária do TCE nas contas do Badesul no exercício de 2013
– Faz referência ao forte crescimento do saldo da carteira de operações. Em apenas dois anos, o volume mais do que duplicou (104,7%). “Este tipo de ocorrência é atípica no mercado financeiro, por insustentável no médio prazo. Normalmente, o que se verifica são carteiras de crédito com taxas de crescimento estáveis e moderadas”, registra o parecer.
– “No mesmo período em que se observou um crescimento vertiginoso da carteira de crédito do Badesul, o nível proporcional de provisionamento para perdas prováveis na realização de créditos (PCLD, que significa uma reserva para eventuais calotes), foi reduzido em 20,7%, de 3,2% da carteira no final de 2011 para 2,6% da carteira no final de 2013.”
– “Restou óbvia a redução da proporção das operações menos arriscadas na carteira da agência de fomento. As operações mais seguras, as AA, eram 31,7% do saldo da carteira no final de 2011, e apenas 19,7% no final de 2013, uma queda de 37,9%. Cresceram as operações de risco. As operações ‘b ou pior’ eram 23,1% do saldo da carteira no final de 2011 e passaram para 42,1% no final de 2013, elevação de 82,2%.”
– Diz ainda o relatório: “Cruzando o incremento das operações mais arriscadas na carteira de crédito com a demonstrada redução de 20,7% no nível proporcional de provisionamento para perdas prováveis na realização de créditos, ficou entabulada uma marcante contradição, podendo significar que a instituição financeira pública está subestimando o nível de risco de sua carteira de crédito”.
– “No final de 2011, as operações “B ou pior” tinham saldo de R$ 389,351 mil ou 69,7% do patrimônio líquido de R$ 558,395 mil do Badesul. Já no final de 2013, o saldo das operações ‘B ou pior’ era R$ 1.451,826 mil ou 198,2% do patrimônio líquido de R$ 732,290 mil do Badesul. Ou seja, se metade dessas operações ‘B ou pior’ desse perdas efetivas, o patrimônio líquido do Badesul estaria completamente liquidado”, acrescenta o relatório da auditoria promovida pela área técnica do TCE.

Cerca de 95% dos empréstimos que o Badesul faz têm o BNDES como fonte original dos recursos. O banco gaúcho atua como um repassador das verbas federais.
Por isso que, depois de ter recebido nota zero pelo BNDES, o Badesul ficou paralisado.
Praticamente não tem mais dinheiro para emprestar. Hoje, o Badesul conta com R$ 3 bilhões em empréstimos colocados no mercado.

O Badesul como estratégia de governo

O governo Tarso Genro definiu como meta apoiar a formação de núcleos de novas atividades econômicas no Rio Grande do Sul, principalmente no setor energético. A meta era fomentar “clusters” de indústria naval e eólica, seguindo a expansão de negócios da Petrobras, que, no período de 2011 e 2012, ainda surfava na onda positiva da descoberta do pré-sal. Como a Operação Lava-Jato só estourou em março de 2014, era um período de investimentos milionários nos setores de óleo e gás, envolvendo empresas de alta tecnologia que contratam mão de obra bem assalariada.

Era o plano para diversificar matrizes econômicas – saindo da dependência da agricultura e da indústria metalmecânica –, fazendo de Rio Grande e Charqueadas os principais destinos de investimentos.

O Badesul era engrenagem fundamental para a estratégia funcionar, pois mesmo as grandes empresas do setor não investem somente capital próprio nos empreendimentos. Os bancos são chamados para participar das operações de crédito. No Estado, dentro da política industrial do governo Tarso, o Badesul tinha o papel de injetar recursos e reposicionar o Rio Grande do Sul entre as maiores potências nacionais, atrás apenas do Rio e de São Paulo. A meta do banco era se tornar o maior repassador de recursos do BNDES em todo o Brasil.

Marcelo Lopes contava com admiração de Tarso e recebeu a missão de conduzir o estratégico Badesul. Os resultados começaram a aparecer em 2012, quando a agência desembolsou em operações de crédito o montante de R$ 1 bilhão, mais do que o dobro do ano anterior. Depois, em 2013, alcançou a marca de R$ 1,613 bilhão em empréstimos concedidos, quase três vezes mais do que o negociado em 2010.

O crescimento exponencial, que acompanhava a política do governo federal para o BNDES, passou a gerar consequências. No dia 1º de agosto de 2013, o presidente do Badesul enviou carta a clientes do banco para informar que “a diretoria decidiu, temporariamente e a partir de 02/08/2013, suspender o enquadramento de novas propostas de financiamento a investimentos por esta instituição”.

O documento ainda relatou: “Mas agora a velocidade dessa dinâmica operacional está encontrando seus limites (…) A diretoria do Badesul está envidando esforços para minimizar a temporalidade da medida suspensiva”.

Em meados de 2013, o banco havia alcançado o teto de empréstimos. Pelas regras do Banco Central, o máximo de operações de crédito que uma instituição pode fazer resulta da multiplicação do seu patrimônio referencial por nove. À época, em entrevista à ZH, Marcelo Lopes disse que o fato indicava “excesso de sucesso”. A alternativa encontrada foi capitalizar o banco com a inclusão do seu prédio na Rua Andrade Neves, no centro de Porto Alegre, no rol patrimonial. Com isso, a agência retomou lastro, evitou registro de prejuízo em 2013 e conseguiu jogar no mercado mais R$ 818 milhões em 2014.

RESOLUÇÕES EXCLUÍRAM ÁREA DE RISCO DO COMITÊ DE ANÁLISE DE CRÉDITOS

Para viabilizar a política de crédito farto em nome do desenvolvimento, o Badesul apostou na fórmula da alta concentração do destino de recursos, rentabilidade do banco (spread) baixa e aumento da carteira de risco.

Começaram a surgir embates dentro da instituição, e alguns servidores antigos passaram a se opor às flexibilizações e à falta de rigor na análise de crédito. Houve casos em que a resistência resultou em rebaixamento de cargo ou transferência.

O banco passou por reformulações no comitê de crédito a partir da publicação de três resoluções internas. Todas deixaram de fora da penúltima instância de análise de liberação de crédito a área de risco do banco. A última das resoluções foi a 223/2012: definiu que, dos nove integrantes do comitê, seis seriam das superintendências de operações. Isso determinou que a maioria dos membros do comitê seriam os mesmos que, no início dos processos, chefiavam as avaliações de viabilidade do crédito a determinado empreendedor.

Um conflito geracional se instalou. Os servidores mais experientes indicavam que a política de crescimento célere poderia levar o banco à bancarrota. Os mais jovens, que haviam ingressado depois de concurso em 2010, se mostraram alinhados com a diretoria e começaram a ocupar postos-chave.

Internamente, quem executava os planos de expansão era a diretora de Operações, Lindamir Verbiski, que foi levada do BRDE ao Badesul. Em troca de mensagens com o presidente da instituição em 20 de junho de 2013, em grupo de e-mails que incluia dezenas de servidores, Lindamir celebrou resultados do banco e fez crítica velada aos que viam com restrições a política do crédito farto.

“Presidente Marcelo, sinto-me plenamente gratificada por integrar a equipe liderada por alguém como você, que não cansa nunca de buscar e implementar medidas que visam tornar cada vez maior e mais forte o Badesul. Desejo que os ventos do reconhecimento levem pra bem longe as folhas secas e mortas que caem de árvores que, além de não darem frutos, têm suas raízes fincadas na areia movediça da pequenez e da inveja”, dizia o texto da diretora.

Em longo e-mail de despedida aos colaboradores do Badesul, em 30 de abril de 2015, dias antes da posse da atual diretoria, Lopes abordou os contratos com a Iesa e Wind Power, que, àquela época, já causavam prejuízo histórico à instituição.

“Estamos tendo vitórias expressivas nos processos da Iesa e Wind Power”, registrou, sem explicar quais eram esses avanços.

“Não é o presidente que vai fazer análise de crédito”

MARCELO LOPES – Presidente do Badesul na época dos contratos com a Iesa e a Wind Power

Líder de uma política que pretendia fazer do Badesul uma alavanca para a economia do Estado, Marcelo Lopes, então presidente do banco no governo Tarso Genro, diz que “ninguém fazia projetos imaginando que o país iria entrar em crise”. Confira os principais trechos da entrevista concedida à ZH por telefone.

O Badesul teve a nota rebaixada a zero pelo BNDES. Sua gestão foi temerária?
O Badesul foi colocado em posição estratégica dentro da política industrial. Tínhamos estratégia para o desenvolvimento do Estado, e o Badesul era parte. Entendemos que o financiamento de projetos era fundamental, a exemplo do que o BNDES fez, passando de R$ 35 bilhões para cerca de R$ 200 bilhões em desembolsos no período de 2003 a 2015. E isso foi feito de forma planejada, técnica. Recebemos recursos do Tesouro do Estado, que foi capitalizando o Badesul. Todas as operações que nós fizemos e todos os volumes de crédito sempre foram feitos dentro dos limites, dos regramentos do Banco Central.

O empréstimo para a Iesa foi decisão política?
Outros bancos financiaram a Iesa, não foi só o Badesul. O BNDES tinha pendência com uma empresa de energia que estava dentro do grupo Inepar. A informação que tivemos era de que se tratava de pendência em discussão e que deveria ser resolvida. Era um projeto importante para o Estado. A discussão não foi política, isso não teve nenhuma interferência no crédito. Já tinha no próprio município de Charqueadas esforço feito pelo prefeito, que tinha desapropriado a área. Havia discussão com todas as empresas que poderiam compor o Polo do Jacuí, que deveria ter quatro ou cinco empresas na época. A Iesa foi a primeira que definiu por se instalar, chegou a entrar em operação com 1,6 mil empregos. Fazia todo o sentido vendo com os olhos daquela época.

Em parecer, o próprio Badesul listou dificuldades da Wind Power, mas, ainda assim, decidiu emprestar grande quantia. Houve erro?
O analista de crédito, que estudou muito o setor eólico na época e se aprofundou no tema, e considero ele um dos melhores analistas…

A responsabilidade é do analista?
Não, é coletiva. Mas, quando chega na diretoria e no conselho de administração, tem área técnica profissional que estudou. Não é o presidente que vai fazer análise de crédito. Tinha conjunto de garantias, inclusive a hipoteca do terreno. Depois, teria as (garantias) evolutivas. A fábrica que seria construída seria garantia. Isso é usual. A Impsa nos apresentou perspectiva de fazer negócios no Uruguai. Queria atender, a partir da planta no RS, projetos que estavam vencendo com a Eletrosul. Tinham R$ 1 bilhão em contratos com a Eletrosul. Inclusive quando a gente já tinha detectado que estavam com dificuldades, eles foram vencedores de mais de R$ 1 bilhão em contratos com Furnas. Fazia todo o sentido.

O senhor admite equívocos na gestão?
Não podemos desconsiderar que, no caso da Iesa, tem deliberação do processo de recuperação judicial de que o Badesul tem garantia real para a integralidade do seu crédito. E nenhuma das empresas faliu, nem a Iesa nem a Wind Power. Recuperação judicial não significa falência. E, portanto, não significa que temos perda definitiva. Sobre equívocos, o que teve, na verdade, é que havia cenário da economia brasileira com perspectiva de crescimento. Ninguém fazia seus projetos imaginando que o país iria entrar em crise como essa que entramos.

Fonte: jornal Zero Hora